sábado, 4 de julho de 2015

Crítica à Lei do Abate

INTRODUÇÃO.

O Brasil é um país onde o tráfico de drogas e de armas é uma realidade perceptível por qualquer cidadão comum. Não é raro assistirmos a um noticiário e encontrarmos notícias relacionadas aos referidos assuntos.
Visando repelir e conter o problema citado o país editou e promulgou uma norma que autoriza o abate de aeronaves consideradas hostis e que estejam no território nacional. O abate será feito após o piloto da aeronave desrespeitar a advertência e os tiros de aviso, contudo este ato é totalmente contrário aos direitos fundamentais e da pessoa humana, além de estabelecer conflitos com normas constitucionais cuja posição hierárquica é superior a Lei do Abate.

1.     PRINCÍPIOS FERIDOS.

O Estado brasileiro visa proteger à vida, garantir um julgamento justo, coerente e de maneira alguma aplicar sanções perversas e de morte em tempos de paz. As palavras ditas referem-se aos princípios constitucionais mais sérios do nosso país. Estes princípios são desrespeitados pela Lei do Abate que prevê o abate de aeronave hostil que esteja sobrevoando o nosso território.
Antes de avançar com o texto julgo necessário conceituar aeronave hostil segundo o §2 da Lei o Abate:
“2º Esgotados os meios coercitivos legalmente
previstos, a aeronave será classificada como hostil, ficando sujeita à medida de destruição, nos
casos dos incisos do caput deste artigo e após
autorização do Presidente da República ou autoridade por ele”


Como consta no texto da lei do abate, a aeronave que adentrar o nosso espaço aéreo em condições irregulares, manter um comportamento suspeito e recusar-se a comunicar-se com o caça esta será considerada hostil e deverá ser abatida. O abate contraria alguns princípios e normas da ilustre Constituição Cidadão de 1988 que trago abaixo:
1° Princípio da presunção da inocência: Este princípio garante que todos serão considerados inocentes até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória, cabendo ao Ministério Público oferecer ao cidadão todos os recursos possíveis para se comprovar a inocência. O referido princípio baseia-se no artigo 5°,§ LVII:
[1]LVII - ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória;”
A sanção aplicada na lei do abate é a queda da aeronave, cumpre-nos dizer que a referida pena viola do presente texto constitucional porque a autoridade não fornece ao suspeito nenhum julgamento e recurso, além de sentenciar o caso sem provas que condene o suposto réu;
2° O direito ao processo legal: A sanção aplicável no caso que trago não garante o processo ao suposto réu. O processo é um instrumento de grande importância porque é por meio deste que o cidadão acusado comprova a sua inocência através de inúmeros recursos. A respeito do processo a Constituição Federal traz o seguinte texto encontrado no Art. 5°, § LIV:
[2]LIV - ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal;”
O processo é uma das garantias pessoais mais antigas que temos sendo assegurado pela Carta Magna da Inglaterra de 1215. O processo visa diminuir os abusos do Estado e no caso analisado o Estado não o garante ao executar a aeronave no local.
Como o referido caso não garante o processo, logo o mesmo retira da vítima os recursos futuros. A respeito da referida violação cumpre-nos citar o ilustre jurista alemão Rudolf Von Ihering:
[3]“A justiça tem numa das mãos a balança em que pesa o direito, e na outra a espada de que se serve para o defender. A espada sem a balança é a força brutal, a balança sem a espada é a impotência do direito.”

Com a retirada da defesa a lei do abate contribuiu para punições severas e injustas, consequentemente compromete a segurança imposta pelo Estado de Direito.

3° Violação do princípio da Proporcionalidade: em matéria de direito penal é defeso a aplicação de penas desproporcionais à conduta. A referida aplicação fere o princípio da proporcionalidade, pois não há em cogitar-se proporcionalidade em derrubar um avião cujos tripulantes são considerados suspeitos.

4° Pena inconstitucional: A Constituição traz consigo as seguintes penas:
[4]“XLVII - não haverá penas:
a) de morte, salvo em caso de guerra declarada;
b) de caráter perpétuo;
c) de trabalhos forçados;
d) de banimento;
e) cruéis;”
O abate é um exemplo de pena cruel que poderá ser convertida em pena de morte, pois a queda de um avião pode retirar a vida de seus tripulantes, caso não a tire é certo que violará a integridade física da pessoa humana. Abaixo traremos as penas permitidas para assim analisarmos e constarmos que não há aprovação constitucional para o abate.

XLVI - a lei regulará a individualização da pena e adotará                                         ...........entre outras, as seguintes:
a) privação ou restrição da liberdade;
b) perda de bens;
c) multa;
d) prestação social alternativa;
e) suspensão ou interdição de direitos;
Em nenhuma hipótese a Constituição autoriza penas como a estudada nesse caso, observe que a mesma é tão humana que se compromete a aplicar penas sociais, tais como ajuda às instituições humanitárias, trabalhos sociais, etc.
2.     Da solução ao caso.
Sabemos que as pessoas são afetadas direta e indiretamente pelo tráfico, mas a solução dada ao caso não deverá atingir diretamente a vida, a integridade da pessoa humana e os direitos fundamentas como o processo, a presunção da inocência e uma pena humana.
A nossa Constituição cuidou do assunto e os protegeu em seu texto, não deveria uma lei infraconstitucional abalar toda esta estrutura humanitária. O preâmbulo de nossa Constituição, muito embora não tenha força normativa, mas traz o resumo do que há no texto da Constituição que detém uma força normativa superior a toda legislação, nos diz o seguinte:
[5]Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembléia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL.” (grifos nosso)
Acima foram grifados os princípios fundamentais e humanitários de nossa Constituição. Uma lei que autoriza uma pena cruel, uma lei que viola a integridade da pessoa, que viola o seu direito ao contraditório. O ser humano é um ser contraditório e pode se arrepender cabendo ao Estado atribuir-lhe condições necessárias e o tratar como pessoa humana, pois só assim poderá se arrepender do ilícito cometido.
Ao presente caso sugerimos uma punição mais humana que não desrespeite os direitos e garantias individuais.



[1] Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm>. Acesso em: 30 de Maio de 2015
[2] Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm>. Acesso em: 30 de Maio de 2015
[3] Rudolf von Ihering
[4] Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm>. Acesso em: 30 de Maio de 2015
[5] Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm>. Acesso em: 30 de Maio de 2015

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